Luiz Carlos de Lacerda

Luis Carlos de Lacerda, mais conhecido como Carlos de Lacerda, nasceu em Campos no dia 25 de maio de 1853 e morreu no dia 19 de maio de 1897, dias antes de completar 44 anos de idade. Era filho do médico João Batista de Lacerda e teve como irmãos os médicos João Batista de Lacerda e Álvaro de Lacerda, o advogado Cândido de Lacerda e o jornalista Antônio de Lacerda. Dos cinco irmãos, o único que não prestou serviços à causa abolicionista foi João Batista, que desde cedo se dedicou ao estudo de física, química, botânica e biologia, tendo sido diretor do Museu Nacional. 


Apesar de ter ido estudar no Rio, não concluiu seu curso. Osório Peixoto, em seu livro Momentos Decisivos da História de Campos dos Goytacazes, diz que ele foi trabalhar na estrada de ferro que liga Niterói a Campos, quando contraiu impaludismo (malária). Retornou a Campos, onde se casou com Olympia Lacerda, com quem viveu até a morte. Com ela Lacerda enfrentou toda sorte de adversidades desde que abraçou a causa abolicionista, em 1881, até sua morte, em 1897, quando se encontrava doente e pobre.

Jornalista e orador, Luis Carlos de Lacerda recebeu do Imperador Pedro II a comenda Imperial Ordem da Rosa, criada em 1829 pelo seu antecessor, Pedro I, para perpetuar a memória de seu matrimônio, em segundas núpcias, com Dona Amélia de Leuchtenberg e Eischstädt. Luis Carlos de Lacerda recebeu a comenda por relevantes serviços prestados quando pertencia aos quadros da Força Policial da província (Estado) do Rio de Janeiro, na qual ingressou entre os anos de 1876 e 1878 (não foi encontrada a data precisa).

Nomeado como Delegado de Polícia em sua terra natal, função que exerceu entre os anos de 1879 e 1881, defendeu, no período, os donos de gado e gente, embora pautasse sua conduta pela justiça e não permitisse torturas e humilhações aos escravos.

Em 1881, segundo Evaristo de Moraes (ver bibliografia), Luis Carlos de Lacerda despertou de seu sonho dogmático, abraçou a causa abolicionista e participou da fundação da Sociedade Campista Libertadora, terceira entidade criada no município para combater o sistema escravista (as duas primeiras - Sociedade Emancipadora Ypiranga, em 1880, e Sociedade Emancipadora Campista, em 1881 – tinham sido criadas pelo médico Miguel Herédia, mas não foram eficazes ao que se propunha: angariar fundos para comprar a alforria de escravos).

Mesmo sendo membro do Partido Conservador, Luis Carlos de Lacerda não concordava com o regime escravista. Por outro lado, não assumiu a causa republicana, só o fazendo após a queda da Monarquia. No dia 17 de julho de 1881, quando a “Sociedade Campista Libertadora”, foi criada, Lacerda foi eleito orador, mas declinou do cargo, justificando com o seguinte texto, reproduzido pelo Monitor Campista em 29 de julho daquele ano:

“Tratar-se da extinção momentânea do elemento servil, é amesquinhar-se a ideia e ridicularizar-se a liberdade a quem não sabe compreendê-la, nem defini-la! Venham escolas em abundância e por toda parte, que em muito pouco tempo a abolição do elemento servil no Brasil, será uma realidade”. (Feydit, p. 360)

Efetivamente, a campanha antiescravista só seria posta em prática pela associação dois anos depois de sua fundação, aos 27 de julho de 1883. E só em 25 de março de 1884, nas dependências do Teatro Empyreo, foi realizada a 1ª Conferência Abolicionista de Carlos de Lacerda. Para melhor divulgar a propaganda abolicionista, Lacerda pôs em circulação, no dia 1º de maio de 1884, o jornal “Vinte e Cinco de Março”, uma alusão à abolição dos escravos no Estado do Ceará, ocorrida em 25 de março de 1884. O jornal funcionou numa casa de dois andares na rua dos Andradas, 72. Em 27 de junho de 1884, Carlos de Lacerda organizou uma segunda conferência, também no Teatro Empyreo, à qual se seguiram muitas outras.

Os memorialistas e historiadores não se escusam em classificar o maior líder abolicionista em Campos. Evaristo de Moraes, ao escrever sobre ele, diz: “um homem de grande coragem pessoal”, Luis Carlos de Lacerda “foi o motor central da agitação abolicionista em Campos, e, por isso mesmo, o mais perseguido pelo ódio dos proprietários de escravos”.

Imitando José do Patrocínio - de quem fora companheiro de infância - ainda de acordo com Evaristo de Moraes, “escrevia o seu jornal no estilo da Gazeta da Tarde, do Rio de Janeiro, da qual utilizava artigos, notícias e telegramas”. Adotava também todos os recursos de ataque material à escravidão, semelhantes aos de Antônio Bento, em São Paulo, e aos do Clube do Cupim, em Pernambuco. Escondia os escravos num cômodo camuflado da sede do jornal Vinte e Cinco de Março e depois os levava para os quilombos. Muitos foram enviados para o Ceará, que havia decretado o fim da escravidão.

Luis Carlos de Lacerda promovia ações diretas que irritavam sobremaneira os fazendeiros: libertava os cativos, ocultava os escravos em quilombos, incitava-os à revolta, solicitava inquéritos e exames de corpo de delito por ofensas a escravos e, nas contendas públicas, palestras e julgamentos, exibia instrumentos de tortura. Organizava ainda as queimas dos canaviais, provocando enormes prejuízos aos detentores do poder político e econômico.

Traduzindo as queixas dos proprietários rurais, senhores de milhares de escravos, a Câmara Municipal mostrou-se, em maio de 1884, alarmada com a propaganda do Vinte e Cinco de Março. Vários vereadores - fazendeiros escravocratas - acusavam o movimento abolicionista de anarquista e suas lideranças de insuflarem os escravos à insurreição e sedição. Em 21 de maio daquele ano, Luis Carlos de Lacerda e outro membro do Clube Abolicionista, Leopoldo Figueiras, foram obrigados a abandonar a cidade, sob a acusação de subversão. O historiador Osório Peixoto Silva diz textualmente que eles foram expulsos. No Rio de Janeiro, foram recepcionados pelos líderes abolicionistas cariocas, liderados pelo também campista José do Patrocínio. Receberam ajuda e retornaram a Campos no dia 11 de julho, sendo recebidos com alarido e bandas de música. Escrevendo sobre a estada na Corte, no Rio de Janeiro, Luis Carlos de Lacerda diz: “tivemos à nossa disposição, hotel, imprensa, advogados e tudo de quanto necessitássemos”.

Inconformados, os fazendeiros ficaram mais preocupados quando, no mês seguinte, agosto, verificaram-se os primeiros incêndios nos canaviais. O jornal Vinte e Cinco de Março divulgava os fatos. Com apoio de parte da sociedade e dos abolicionistas do Rio de Janeiro, principalmente Patrocínio e Joaquim Nabuco, Lacerda passou a adquirir cartas de alforria.

Em 1884, além do jornal Vinte e Cinco de Março, Luis Carlos de Lacerda fundou o Clube Abolicionista Carlos de Lacerda, promovendo conferências públicas. A primeira deveria ser realizada no dia 7 de setembro de 1884. Os fazendeiros reagiram e alegaram que Carlos de Lacerda insuflava os escravos para uma insurreição geral. O presidente da Província enviou à cidade uma grande força militar. A conferência realizou-se mesmo assim, com os líderes Carlos de Lacerda, o poeta Luís Militão e o professor Tomás Augusto entregando 21 cartas de alforria.

A 26 de março de 1885, Luis Carlos de Lacerda organizou a invasão de uma fazenda, na freguesia de São Gonçalo (hoje, Goitacazes), de propriedade de Orbílio da Costa Bastos, tido por homem cruel. Libertaram três escravos que haviam sido castigados a azorrague (chicote com oito tiras de couro com ferros cortantes nas pontas) e, depois, postos no tronco; libertaram, na oportunidade, muitos outros cativos.

Os fazendeiros promoveram um processo acusando Carlos de Lacerda de mandante, e de mandatários, Adolfo Porto, Adolfo Magalhães e Feliciano José da Silva. Os abolicionistas foram acusados de terem “subtraído do poder do dono” os escravos, os forros e o tronco. Segundo alguns relatos, colhidos por Rodrigo Alzuguir (autor da biografia de Wilson Batista), para o feito, os abolicionistas sequestraram um trem da linha Campos/São Sebastião, para conduzir os escravos libertos. Luis Carlos de Lacerda foi preso, juntamente com outros envolvidos.

Defendido mais uma vez por Sizenando Nabuco (irmão de Joaquim Nabuco e notório advogado da capital, que sempre prestou serviços para os abolicionistas), Lacerda viu a acusação ser arquivada por falta de provas. Em 11 de junho, os outros acusados foram submetidos a julgamento, sendo absolvidos.

Em 08 de maio de 1886 o advogado e irmão de Luis Carlos de Lacerda, Cândido de Lacerda, enviou telegrama ao ministro da Justiça com o seguinte teor: “Esta madrugada o alferes Corte Real aqui destacado, e sicários, penetraram na residência do Comendador Carlos de Lacerda, tentando assassiná-lo, evitado pela fuga. Providências” (Salgado, p.113). Pouco tempo depois, ainda em 1886, o próprio Luis Carlos de Lacerda foi ao Rio de Janeiro para se queixar, junto ao Ministério da Justiça e à chefia de polícia no Estado, de perseguições ao jornal Vinte e Cinco de Março.

Quando, em 1887, houve novos incêndios nos canaviais, os fazendeiros tentaram corromper Carlos de Lacerda. Não conseguindo, reuniram-se e votaram por sua “eliminação”. Participante da reunião, Raymundo Alves Moreira, o Barbaça, tomou para si a incumbência de assassinar o líder abolicionista.

Em 24 de outubro de 1887, o jornal foi invadido pela polícia. Não encontrando ninguém, os policiais seguiram até a casa de Adolfo Porto, que ficava próximo à redação, e o prenderam . Lá estavam e também foram presos: Júlio Armond, Leopoldo Figueira, Feliciano José da Silva e Matos Sobrinho. Retornaram, então, à redação do jornal e quebraram tudo. Não foi um “ato terrorista”, mas sim uma ordem expressa do delegado de Polícia.

Mas o Vinte e Cinco de Março recebeu muito apoio popular e das classes médias campistas, comerciantes, profissionais liberais e, em especial, médicos. Em fevereiro de 1888, o jornal de Lacerda voltou a circular e a atacar de forma contundente os escravocratas. Um mês e meio depois, Luis Carlos de Lacerda alcançou a vitória tão almejada: em 25 de março de 1888 o município de Campos foi declarado livre da escravidão . Somente 48 dias depois seria aprovada e sancionada pela Princesa Isabel a Lei Áurea, que libertou os escravos de todo o país.

Um personagem se tornaria importante na trajetória de Lacerda: o fazendeiro Raymundo Alves Moreira, conhecido como Barbaça (mantinha uma espessa barba ruiva) e que possuía um cavalo batizado de Escravocrata. Diferentemente dos demais, revelava, publicamente, seu ódio a Luis Carlos de Lacerda. Pelos jornais da época, principalmente o Monitor Campista, fazia ameaças ao líder abolicionista, assim como comparecia a algumas palestras de Lacerda no Teatro Empyreo e admoestava o conferencista.

Dois empregados do Barbaça, no Beco do Barroso (entre a Catedral Diocesana e a rua Barão do Amazonas), atiraram contra os redatores Adolfo Porto e João Bento Alves, do Vinte e Cinco de Março . Socorridos por populares, os dois foram internados no hospital e se recuperaram. Adolfo levou uma bala na cabeça, mas sobreviveu. Luis Carlos de Lacerda acusou Raymundo Moreira de ser o mandante do atentado. Aberto o processo, os empregados de Raymundo, o Barbaça, foram presos. Depois, o próprio Raymundo. Mas, no julgamento, todos foram absolvidos.

Ocorre que o Barbaça havia participado da reunião dos fazendeiros que tiveram escravos libertos por Lacerda, na qual decidiram pela eliminação do líder abolicionista. Tramou o assassinato de Carlos Lacerda, reunindo capangas que ficariam em pontos estratégicos, do lado de fora do teatro Empyrio, no dia em que o líder abolicionista fosse discursar.

Luis Carlos de Lacerda marcou mais uma conferência no Teatro Empyrio, que seria realizada em 30 de janeiro de 1887. Como de outras vezes, quando o líder abolicionista discursava, o Barbaça o provocou. Recebeu vaias e saiu. Retornou, pouco depois, com dois capangas, sendo impedido de entrar no teatro por Adolfo Porto. Reagiu e houve briga e disparos. A plateia saiu às pressas do teatro, provocando um tumulto. Momento ideal para o atentado contra Lacerda. Tiros ecoaram e, em seguida, o abolicionista Luís Antônio Fernandes recebeu uma bala na cabeça e caiu no chão, morto. Mais uma vez o fazendeiro Raymundo Alves Moreira, o Barbaça, foi acusado, mas não havia provas e ele foi liberado.

Com a decretação do fim da escravidão em Campos, em 25 de março de 1888, e o fim da escravidão no Brasil, em 13 de maio do mesmo ano, o problema escravista ficou apenas nos parlamentos. Durante anos, partidários dos fazendeiros defenderam a indenização por parte do governo pela libertação dos escravos, que lhes custaram dinheiro. Por seu turno, partidários dos abolicionistas defenderam o pagamento de indenização aos escravos, pois os libertos não tinham condições de sobrevivência nem onde morar. Os governos republicanos não atenderam suas demandas, exigidas por congressistas que defenderam o fim do regime escravista.

Em 21 de julho de 1889, o fazendeiro Raymundo Alves Moreira, o Barbaça, foi assassinado por dois empregados (escravos libertos) de Luis Carlos de Lacerda. Barbaça estava a cavalo quando foi derrubado e morto a golpes de foice e facão. Os assassinos cortaram a orelha do fazendeiro para mostrar ao comendador (Carlos de Lacerda), segundo disseram depois à polícia. A polícia prendeu os dois suspeitos, que confessaram o crime. Acusado de ser o mandante, Luis Carlos de Lacerda também foi preso.

Mais uma vez o irmão de Joaquim Nabuco, Sizenando Nabuco, veio a Campos e fez a defesa de Luis Carlos de Lacerda. Estava acompanhado dos advogados Pedro Tavares e Cândido de Lacerda. Julgado em 24 de março de 1890, foi absolvido. Os dois assassinos foram condenados a trabalhos forçados “pelo resto de suas vidas”. Lacerda saiu do julgamento muito abalado com a condenação dos ex-escravos, que ele havia libertado e que, talvez sob tortura, haviam dito que o mandante fora ele, Lacerda.

A partir desse episódio, Luis Carlos de Lacerda passou a ter crises nervosas, e a vida, para ele, parecia não ter mais sentido. Acabrunhou-se. Seu estado de saúde, que nunca foi muito bom desde que contraiu malária, ainda jovem, agravou-se. Faleceu em 1897, com 43 anos de idade. Mais de três mil pessoas compareceram ao seu sepultamento, e toda a cidade assistiu ao cortejo. As lyras Operários Campistas, Guarany, Conspiradora e Apollo executaram as marchas fúnebres durante o trajeto, que durou três horas.

Referências bibliográficas

ALZUGUIR, Rodrigo. Wilson Batista – o samba foi sua glória. Editora Casa da Palavra. Rio de Janeiro, 2013;

CARVALHO, Waldir Pinto de. Gente que é nome de rua, Volume I. Edição do autor, Campos dos Goytacazes,1985;

LIMA, Lana Lage da Gama. Rebeldia Negra e Abolicionismo. Rio de Janeiro: Achiamé, 1981.

MACHADO, Gastão. Os crimes célebres de Campos, 2ª edição. Indústrias Gráficas Atlas Ltda, Campos dos Goytacazes, 1966/1967;

MORAES, Evaristo de. A Campanha Abolicionista. Rio de Janeiro: Liv. Ed. Leite Ribeiro, 1934;

RODRIGUES, Hervé Salgado. Na taba dos Goytacazes. Imprensa Oficial, Rio de Janeiro, 1988;

SILVA, Osório Peixoto. Os momentos decisivos na história de Campos dos Goytacazes. Edição do Serviço de Comunicação da Petrobras, 1984, Rio de Janeiro, 1984;

SÍTIO eletrônico: autorescampistas.blogspot.com.br

Pesquisa e texto: Avelino Ferreira
Revisão: Gustavo Smiderle
Campos dos Goytacazes, 25 de março de 2016